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A mostrar mensagens de 2007

O PAI NATAL

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A noite estava particularmente fria. O vento entranhava nos ossos um desconsolo gelado. Na rua, os néons tingiam o empedrado de azul eléctrico a enfeitar penosamente o Natal. Por baixo de uma das molduras artificiais um pai natal acabava de desistir de vender pipocas. O homem aproximou-se da carripana, que também devia servir de casa ambulante, e despiu as vestes vermelhas e o gorro que lhe davam um ar de mentiroso e oportunista. - Que pena, agora é que se lembrou de tirar a pele de pai natal. - Está a fotografar para algum jornal? Há bocado esteve aqui um senhor de uma revista a pedir-me para fazer umas fotografias, neste cenário. Não me custa nada. Mas está a tirar uns retratos para si, não é? - É, deixe lá. Eu tiro na mesma não se preocupe. Faça de conta de eu não estou aqui. - Isso é que era bom. Só cá está você e eu... - É só montar o tripé... - Não usa flash? O outro senhor usava... Olhe, eu vou ali ao carro e visto-me outra vez... - Não, não faça isso! - Está bem assim? E assim?

Do avesso

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Arraiolos, Fevereiro de 2007 Basta uma bátega inesperada para diluir as cores fortes das casas alentejanas e espalhá-las pelo chão. O azulão escorrido das fachadas é, agora, a tonalidade forte do céu. Há pintores invisíveis a desenharem emoções com os dedos da natureza. Bastam uns dias de ausência para sentir o mundo virado do avesso.

SILHUETAS

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O Roteiro Para a Inclusão, há cerca de um ano atrás, levou Cavaco Silva e a comitiva até Marco de Canaveses para declarar um combate cerrado às causas e efeitos da violência doméstica e maus-tratos infantis. Uma mulher, discreta, chegou cedo e ficou o mais próximo que pôde do epicentro da cerimónia. Devia estar em chamas por dentro, mas do olhar azul, vivo, saía uma calma de quem queria tudo ver de muito perto, com os próprios olhos. Tinha um feminino corpo robusto que os mais de cinquenta anos não conseguiram desfear. Encostada à linha de segurança que a separava dos “importantes”, viu e ouviu tudo em religioso silêncio. Viu e ouviu o Presidente da República dizer que se curvava perante as 29 silhuetas de mulheres e 3 silhuetas de crianças assassinadas por mães, pais, irmãos, maridos, namorados, companheiros… Os artistas transformaram as estatísticas oficiais de 2005 das vítimas mortais de violência doméstica numa instalação com silhuetas de cartão. No peito das silhuetas, num anúncio

Quartos de hotel

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Gosto de quartos de hotel. São como estações de comboio. Ou estações de serviço. Ou plataformas de aeroporto. Ou oásis no deserto. Ou ilhas no oceano. Pontos de paragem. Pontos de passagem. Zonas de transferência. Início. Fim. Mudança. São espaços para onde se leva apenas o essencial. Nós. E de onde se traz, reforçado, o que se levou: A memória, os sonhos e as expectativas. Os quartos de hotel são telas em branco onde se pintam as noites; são parêntesis onde se explicam enredos; são momentos por onde passam vidas inteiras; são cápsulas herméticas que param o tempo ou o aceleram a um ritmo alucinante. Os quartos de hotel são sítios que não existem. Está-se mas não se fica. Nos quartos de hotel o mundo fica lá fora e a vida lá dentro. Perfeita. Todos iguais, mesmo os que se chamam suites, servem de cenário ideal para as mais diversificadas histórias. Até para a ausência delas. Morrer. Os quartos de hotel são mistérios insondáveis. Não se sabe o que aconteceu na noite anterior, nas noites

MORTE EM VENEZA

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( Veneza à noite, 02 de Setembro de 2007) De muitas coisas se pode morrer em Veneza De velhice de susto de peste ou de beleza Jorge Sousa Braga in O Segredo da Púrpura

O senhor doutor é um… troglodita.

Do baú da memória retiro um episódio divertido que adocicou uma longa entrevista radiofónica que derrapava irremediavelmente para os domínios do tédio. Assumo que o desgaste provocado pelo tempo não me permite referir pormenores identificadores mas, mesmo que não estivessem truncados pelos 15 anos que lhe passaram por cima, por uma questão de reserva profissional e pessoal não os revelaria. Foi na Rádio Nova, do Porto, durante um programa de entrevista de uma hora, a um determinado convidado, conduzido por uma colega. Não digo mais nada. Decorria a conversa no tom de informalidade que a rádio consente e os temas da grande actualidade já estavam esgotados. A dada altura o convidado referia experiências passadas no estrangeiro provocando na jornalista uma súbita curiosidade: - Mas, afinal, quantas línguas é que o doutor fala? - Ao todo são cinco: português, francês, inglês, espanhol e russo. A entrevistadora ficou visivelmente (na rádio conseguimos “ver”) impressionada. E, conforme acons
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O cão é o melhor amigo do homem. Qualquer que ele seja! (Sem- abrigo, rua de Medellín, Colômbia, 20 de Setembro de 2007)

Coisas do Arco da Nova

Para recordar um senhor da r�dio: Jos� Gabriel

COISAS DO ARCO DA NOVA

Apesar de todas as mudanças de casa e de vida há coisas que levamos sempre connosco sem darmos conta. Aqui há dias encontrei uma caixa cheia de cassetes perdida num velho armário. Descobri alguns tesouros com quinze anos. Entrevistas e programas feitos para a Rádio Nova, do Porto, 98.9 FM. Seis dessas cassetes estavam referenciadas: “Coisas do Arco da Nova”, numa letra perfeita escrita à mão pelo inconfundível Zé Gabriel. Com a ajuda do Paulo Moura , outro mago do audiovisual, recuperei para suporte digital algumas das relíquias dessa arqueologia radialista. E nessa noite revivi anos de companhia leal e trabalho profícuo que me ensinou muito do que hoje julgo saber. O Zé Gabriel era um ourives do som. Usava a tesoura para rendilhar a fita magnética. Construía peças radiofónicas, tecendo a voz com elementos sonoros, pontos musicais e silêncios mercê de uma sensibilidade de feiticeiro que deve ter assimilado na Rádio Nacional de Angola, onde trabalhou muitos anos. Tinha um aspecto e uns

COISAS DO ARCO DA NOVA

Coisas do Arco da Nova- Victor Pinto e Z� Gabriel

CRISTO TE AMA?

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A fotografia podia ter custado a vida, mil e quinhentos dólares ou a máquina fotográfica que a captou. Ficou por 50 mil pesos colombianos. Foi barata, muito barata. Há uma zona na cidade de Bogotá, chamada Cartucho, que é considerada um dos sítios mais perigosos da Colômbia. Já de malas feitas para o regresso a Portugal, enquanto aguardávamos o táxi para o aeroporto, lembrei a Alberto Parra que faltava a foto da rua onde todo o tráfico é permitido e ininterrupto, situada mesmo em frente à residência provincial onde tínhamos pernoitado. Alberto Parra é um antigo toxicodependente que conseguiu a recuperação e trocou a vida ligada ao cinema e às filmagens pela de formador e educador nos Hogares Claret, Bogotá, onde ajuda crianças e jovens cocainómanos a fazerem o que ele fez. A tal rua de Bogotá é uma lixeira humana. Corpos espalhados pelo chão, comércio de bugigangas, consumo de drogas, crianças, animais, miséria, tráfico, música, dinheiro, lixo, tudo se mistura em dosagens diferentes du

Solo de violino

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De rua em rua, de restaurante em restaurante, de mesa em mesa, o tocador de violino romeno - quase de certeza - vende caprichos de Paganini e até de Rachmaninov executados de fugida, entre a ordem de expulsão e o toque da moeda no fundo do bolso. Na pausa da via sacra musical pela Ribeira descansa o olhar na faina dos pescadores de taínha nos esgotos da cidade e sorri... Naquela postura parece um músico a sério procurando inspiração para o próximo capricho.

RAISSA

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“ Não é feliz, a vida em Raissa. Pelas ruas a gente caminha torcendo as mãos, ralha com as crianças que choram, apoia-se aos parapeitos sobre o rio de cabeça nas mãos, de manhã acorda de um mau sonho e começa logo outro. Entre as bigornas onde a toda a hora se esmaga os dedos com o martelo ou se pica com a agulha, ou nas colunas de números todos tortos dos registos dos negociantes e dos banqueiros, ou diante das filas de copos sobre o zinco dos balcões das tabernas, ainda bem que as cabeças baixas nos poupam a olhares turvos. Dentro das casas é pior, e nem é preciso entrar lá para sabê-lo: de Verão as janelas ressoam de brigas e pratos quebrados.E no entanto, em Raissa, a cada momento há uma criança que de uma janela ri a um cão que saltou sobre um alpendre para morder um bocado de massa que caiu a um pedreiro que do alto do andaime exclamou: - Alegria minha, deixa-me pintar-te! – a uma jovem taberneira que atravessa a pérgula com um prato de carne nas mãos, contente por servi-lo ao fa

Amo-te Xica

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Que interessa que seja a Sabrina, num título que remete logo para a paixão, o desejo e o ciúme: “Como um vulcão”? Que interessa que na capa esteja um casal alegadamente arrebatado pela chama que arde sem se ver? Ele de smoking, com uma mão na parede outra por baixo do seio, dedos abertos como tenazes; ela de vestido vermelho, com a mão na mão dele, não se sabendo se puxando, se sustendo… Corpos colados, olhos no desejo um do outro, beijo iminente. Que interessa que o livro fale daqueles amores que se vêem nas telenovelas? Que importa que seja um jardim público em hora de movimento? Que importa estar desempregado, divorciado, sem dinheiro e sem abrigo? Que importa? Ela mente-lhe e trai-o e ele nem desconfia. Abraça-a, mas desconhece que aquele corpo pertence também a outros homens. As palavras escondem a triste realidade. Quanto tempo mais vai aguentar a farsa? Com quem é que ele fica no fim? Uma coisa é certa, dê lá para onde der: Não sai dali sem acabar o livro!
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O sol pôs-se por baixo da ponte! Aninhou-se, apressado, inchado de gases quentes de vulcão açaimado. Agachou-se atrás da linha do horizonte e soltou as cores na confluência do rio e do mar. Manchas vulcânicas contaminaram o rio e os gases reflectiram-se no céu. O cheiro a Outono era insuportável! O raio do sol deve pensar que a cidade do Porto é a casa de banho da natureza...

Chick Corea e Jacinta

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Fui ver o concerto de Chick Corea no Coliseu do Porto. A sala estava meio vazia. O consagrado pianista de jazz não se importou. Tocou durante duas horas a solo e na despedida interagiu com o público num concerto que deu a impressão de ser uma noite entre amigos. Numa das primeiras filas estava Jacinta, nome em ascensão no jazz português e até mundial. E lembrei-me de um episódio a que assisti no início do ano, no Porto, num desesperado bar que teima em servir jazz de qualidade. Hot Five. Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2007. Meia-noite. Jacinta já tinha aquecido a voz com alguns dos temas que a fazem refulgir com uma nova estrela do panorama do jazz. Na sala pequena algumas mesas da frente ainda só estavam ocupadas por um importante dístico onde se lia a invejável palavra: reservada. No canto, na mesa por baixo das escadas de ferro, perto do piano, uma jovem entusiasta fingia orgasmos encomiásticos à diva, que quase conseguia tocar: “És grande. Very big, Jacinta. Adoro-te.” Não é de exc

Jorge Sousa Braga – O Poeta Nu

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Conheci o médico, obstetra, Jorge Sousa Braga há uns anos num contacto profissional. Tratava-se de um trabalho jornalístico sobre prematuros. Nasceu daí uma reportagem e uma relação, a que dou o nome de amizade, que tem sido alimentada por encontros fortuitos e fugazes. Um dia Jorge Sousa Braga, com a humilde simpatia que emana, em vez de criticar directamente os critérios jornalísticos televisivos, desafiou-me com um outro tema para reportagem: uma história de amor entre duas árvores, Gingko Biloba, plantadas no Porto há muitos anos, separadas pela distância e pelas construções urbanísticas. Sensível a desafios, aceitei a sugestão com um pedido de ajuda. Para além dos conhecimentos botânicos Jorge Sousa Braga escreveu um texto lindíssimo e indicou-me um especialista que foi um mestre das cerimónias nupciais falhadas entre as duas ginkgoláceas. O Gingko Biloba macho vivia, e ainda vive, nos jardins do Palácio de Cristal a fêmea no Jardim das Virtudes. Um muro de betão armado impede a f

GINGKO BILOBA – UM CASO DE AMORES CONTRARIADOS NO PORTO DO SÉC. XXI

Eram os únicos elementos de uma família cujas raízes se perdiam nas mais recônditas páginas dos livros de botânica. Viviam numa cidade granítica, povoada de gente dura, pouco dada a paixões florais. Apaixonaram-se na adolescência, quando o porte altivo lhes permitiu descobrirem as mútuas folhagens. O vento se encarregou de consumar, na primavera seguinte, essa paixão. Um enorme bloco de betão armado, semelhante a muitos outros que pululam pela cidade, pôs termo brutalmente a essa paixão. Os óvulos não fecundados juncam agora o chão do Horto das Virtudes. Nas noites de Fevereiro, os suspiros dos dois amantes invadem a cidade como um nevoeiro denso, mas a única resposta que conseguem despertar são os latidos dos cães. Jorge Sousa Braga in O POETA NU (poesia reunida)

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FENIX - Jornal masonico de indoamerica Depois da Noite No YouTube

Reacções à reportagem sobre a Maçonaria

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A grande reportagem "Viagem ao interior da Maçonaria", no Jornal Nacional da TVI, tem motivado uma série de comentários, críticas e elogios. No mundo dos blogues também: As Afinidades Efectivas Pelo Mar Aberto Realidade Oculta aminhaescrita Os Tempos que Correm E há também comentários no site do Grande Oriente Lusitano

VIAGEM AO INTERIOR DA MAÇONARIA

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No Jornal Nacional da TVI, Sábado, dia 13 de Outubro, vai passar uma grande reportagem sobre a Maçonaria. A peça jornalística tem por título “Viagem ao interior da Maçonaria”. É uma tentativa de explicar o que é, para que serve, como funciona e quem integra uma organização que tem fama de ser secreta. As relações da Maçonaria com a Igreja e com o mundo dos negócios e da política também são afloradas. Um dos aspectos mais apelativos será a exibição de imagens de partes dos complexos e simbólicos rituais maçónicos. Serão mostradas filmagens dos trabalhos de loja e do ritual de iniciação.

Caxinas

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Caxinas, Janeiro de 2007. Funeral de três pescadores que morreram no naufrágio, na Nazaré, a poucos metros de terra, alegadamente por falta de auxílio urgente. Milhares de pessoas seguem os caixões. O ritual da morte é um hábito naquela comunidade piscatória. O negro é a cor das notícias. À chegada à Igreja do Senhor dos Navegantes uma mulher cumprimenta um velho pescador que tem as ondas agitadas desenhadas no rosto: "Boa tarde, Manel. Cá estamos outra vez..." A velha sem idade chora com a alma, como se destilasse tristeza. Fecha as grutas dos olhos para punir o mar, mas o ladrão de vidas encontra sempre forma de lhe escapar pelos sulcos faciais de tantas outras tragédias...

A TEORIA DA ATRACÇÃO E A ARTE DO ABRAÇO

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Quando se fala ou ouve falar de Medellín vem-nos logo à ideia a violência, o narcotráfico e o nome de Pablo Escobar, o chefe do cartel. A cidade colombiana esteve sujeita a um clima de terror, na década de oitenta, que provocou mais de 3 mil mortos. Matava-se por tudo e por nada, a qualquer preço. O padre claretiano Gabriel Mejía escapou por um triz, várias vezes, a essa estatística macabra.Já nessa altura, ele era o rosto principal de um combate pelo resgate de pessoas, sobretudo crianças, das garras da droga, da guerrilha, da indigência, dos maus-tratos e abusos sexuais. Era uma pessoa incómoda cujo nome constava de algumas listas de alvos a abater.Numa dessas vezes, circulava de carro nas ruas agitadas e perigosas de Medellín quando um miúdo surgiu na frente do automóvel e disparou à queima-roupa. Os três projécteis furaram o pára-brisas, mas nenhum deles atingiu o padre Gabriel Mejía. No dia seguinte o mesmo miúdo apareceu numa das comunidades terapêuticas a pedir ajuda. Quem o rec

BAIXA SCOLARIDADE

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O meu filho tem nove anos e não gosta de futebol. Com muita pena minha, já que me revejo na ideia de que o “amor” ao clube pode estreitar laços afectivos e proporcionar momentos de convívio interessantes. Desde pequeno sempre preferiu os jogos de imaginação e as sessões televisivas às brincadeiras de grupo centradas nos movimentos de uma bola. Como pai, convencido da juventude eterna, que ainda contrai umas lesões, armado em jogador de futebol das quintas-feiras à noite, sempre tentei fazer a defesa do desporto-rei pela tradição e pela importância que o futebol assume no nosso país. O F.C. do Porto, nome que ele devolve quando lhe perguntam o clube favorito, ajudou-me na tarefa de o convencer da beleza do jogo. Uma beleza que o meu filho transferiu logo para os cachecóis, camisolas, bonés, barretes e bandeiras que via e até usava nas festas dos campeonatos, na Taça UEFA e Liga dos Campeões, na Avenida dos Aliados, enquanto gritávamos: “Campeões, campeões, nós somos campeões…” Julguei v

Preâmbulo

Há muito tempo que a ideia de fazer um blogue andava a germinar. Participei num dos primeiros blogues colectivos, no âmbito do Mestrado de Jornalismo e Comunicação, na Universidade do Minho, em 2001, e desde então tenho sido, apenas, frequentador atento de muitos blogues. Chegou a minha vez. A ideia foi amadurecendo e nasce agora baptizada de Bloguícia. Uma aglutinação de dois conceitos: blogue e notícia. Por aqui haverá crónicas, fotografias, comentários, sugestões e episódios que normalmente ficam perdidos no lufa-lufa diário do trabalho numa redacção. E porquê um blogue? Sendo jornalista, é uma forma de partilhar e um auxiliar de memória. Porque nem tudo é notícia, mas há estórias que merecem ser contadas.