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A mostrar mensagens de 2011

Perdido no nevoeiro

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Entre Douro e Tâmega Já o sol vai alto, mas os preguiçosos lençóis de água ocultam-se na alva cama da manhã. As margens, encostadas ao corpo líquido, como um pijama verde pintalgado de casas dispersas estão aconchegadas em espessos edredões de nevoeiro. Nas montanhas a névoa lambe as matas, e as terras queimadas dos últimos incêndios de verão, e deixa um rasto de saliva. Mais longe, os montes tingem-se de azul altivo em desgarrada com o céu. As nuvens são algodão doce pendurado nas mãos das árvores despidas. A natureza prefere o algodão em rama para curar as feridas da paisagem e esconder as crostas urbanas. Uma povoação assentou alicerces no banco do nevoeiro e flutua no branco surreal. Há um caminho para o sonho. Sinto-me divindade a levitar entre o céu e a terra, rei do tempo, escravo da beleza única, efémera, dissolúvel. Mais fotos no facebook

Baião, terra de sossego

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Quando vou a Baião, mesmo de fugida, é como se entrasse num pequeno céu. O epicentro do mundo, sempre prestes a entrar em erupção, fica a cerca de 60 quilómetros. Terra de encantos escondidos e singelos; de gente rudemente sentimental; sítio de memórias e passados. Ir a Baião, ver o Douro antes de chegar ao Porto, ver as serras à espera do Inverno, encontrar o Outono a esconder-se no nevoeiro é fazer um parêntesis nesta vida de urgências, tantas vezes desnecessárias.

Paragem do amor

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Para onde vão os amores que foram um dia? Julgo ter encontrado um sítio que é uma resposta à pergunta que Rodrigo Guedes de Carvalho faz no livro Mulher em Branco: Ficam na paragem do amor. À espera... A paragem do amor é uma vala comum de nomes gritados a várias cores, tamanhos e formas. São lamentos de quem saiu cedo ou tarde de mais. De quem chegou antes ou depois do tempo. São gemidos de quem espera por quem não vem. A paragem do amor é o apeadeiro dos que perderam a viagem. É um cemitério de metades. É a metáfora do desencontro. Os amores que já foram não vão: ficam na paragem do amor, indecisos entre o conforto do regresso e a necessidade do embarque. Entre as memórias e o esquecimento. E tu não vens... Amo-te solidão!

O dia nasceu no Cabo do Mundo

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- Bom dia. Desta vez foi ele que se antecipou no cumprimento. Apanhou-me a sair da cama da noite e despejou-me em cima a jovialidade crepuscular da madrugada. Quem lhe via a cara não podia dizer, com certeza, que estava de bom humor ou carrancudo. Era um daqueles amanheceres ambíguos que precisava de tempo para se definir. Apesar das rugas nebulosas, o mar, indiferente, ronronava ensonado. O sol esburacava cuidadosamente o horizonte com raios de um amarelo esmaecido. No Cabo do Mundo a refinaria montou pilares para que a laje de nuvens não abafasse o nascituro. - Bom dia - sussurrei. Está na hora...

Memórias submersas

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O rio Lima foi obrigado a fazer um compasso de espera em Lindoso, Ponte da Barca, em 1992, para produzir energia eléctrica. Algumas povoações ribeirinhas foram engolidas pelas águas do rio retidas na albufeira. Foi o caso de Aceredo, uma aldeia de Lobios, na Galiza. Agora, com a seca que se tem feito sentir, a albufeira desceu para níveis que já não se viam há muito tempo. As ruínas ficaram à mostra e as memórias vieram à tona. É como se fosse um cemitério de vidas a pedir uma visita. Muitos dos antigos habitantes preferem não regressar a essa sepultura aquática. E esperam que a chuva, que as nuvens anunciam, encha a albufeira em breve. O passado é pó que à água há-de voltar. Mais fotografias no facebook

Ilha dos amores

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Fontaínhas, Porto Quem foi semeado no Porto, e criou raízes por entre as ranhuras graníticas das calçadas, sabe que existem ilhas na cidade. Ficam anonimamente escondidas atrás das ruas cujo nome está pendurado na lapela dos prédios das pontas. São oásis de gente, aninhados numa pobreza vaidosa e honrada onde as carências de água, saneamento, espaço e conforto são disfarçadas com um desvelo e arrumo de fazerem inveja aos palácios das avenidas. A cidade tem vergonha das ilhas e dá mais antenção aos bairros sociais berrantes e complicados. O tempo e a cidade monstro afunda-as e devora-as lentamente. As ilhas eram lugares de partilha. De portas abertas, de vizinhanças interessadas, de brincadeiras comuns, de ajudas, de ódios e amores. Do arquipélago das Fontaínhas já pouco resta. Por isso, esta improvisada ilha dos amores mais não é do que uma homenagem póstuma a esses recantos mágicos onde o Porto fazia sentido. Ou então, mais não será do que a legenda de um dos muitos amores vadios que

Sonho de uma noite de verão...

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Porto Antigo, Baião. Com quantas lágrimas se enche o rio da felicidade?

Amor sofrido

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Calçada em Guimarães Sofri, porque sofri em silêncio. Sofri, logo que percebi que tu eras o meu íman. Sofri, com a atracção física de pólos iguais. Sofri, com a barragem que ergui aos meus sentimentos. Sofri, com a angústia que me enchia o peito e me tapava a boca. Sofri, e eu a querer dizer-te: amo-te Flávia. Sofri, com as noites em que saciei meu corpo imaginando que era o teu. Sofri, com a tua proximidade. Sofri, com a tua ausência. Sofri, quando te abracei como amiga e continuei abraçada como amante. Sofri, quando te beijei pela primeira vez. Sofri, quando te beijei pela segunda. Sofri, no teu corpo. Deixei de sofrer quando disseste: Eu amo-te Adriana. Sofri e venci...

Frozen Love

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I loved you when you opened Like a lily to the heat You see I'm just another snowman Standing in the rain and sleet Who loved you with his frozen love His second hand physique With all he is, and all he was A thousand kisses deep But you don’t need to hear me now And every word I speak It counts against me anyhow A thousand kisses deep A ausência induziu o nosso amor em coma profundo. Vítima do tempo, mártir da mais pura devoção, doente de um excesso sem esperança, moribundo do exagero da inocência. Ligado às máquinas, o meu coração bombeia um mosto de tristeza, uma borra de angústia, como se fosse ainda o néctar escarlate da paixão que nos corria nas veias. Não há transfusão nem doacção que o socorra. Era teu o sangue que alimentava os meus circuitos vitais; era meu o ar que respirava o teu peito; era nossa a pele que o desejo vestia. Estou morto por fora. Vivo da iminência desse amor puro e intacto que ainda lateja. Escapam-se os dias por entre o

O guardião do castelo

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O guardião do castelo de Montalegre é inexorável. Ninguém entra nem sai sem pagar uns afagos ao rafeiro.

A noite tem os olhos abertos

A noite arregalou-me os olhos, chamou-me a atenção e obrigou-me a ficar ali a fazer-lhe companhia. Tem sido assim nos últimos tempos. Está cada vez mais carente, melindrosa e solitária. Espera-me sempre com os braços abertos, tece-me uma rede de carícias e envolve-me numa falsa modorra. Entrego-me sem resistência e fecho os meus olhos, deixo-me levar. Engana-me. Eis que desperta, escarninha, enérgica, revolta em pensamentos, memórias e desejos. Resolve problemas, antecipa cenários, idealiza situações, faz felicidade, inventa vida, ressuscita pessoas e faz diálogos. Usa-me como brinquedo novo em mãos de criança. Rebolo inutilmente. Procuro posições de conforto. Finjo-me de morto. Na inutilidade de passar despercebido, tento desaparecer na nuvem dos cigarros sucessivos. Sopro-lhe fumo para os olhos. Ela ali está, vestida de negro desafiante, de pálpebras dilatadas. Sei que me vai trair. Finge que está à minha espera para a companhia do costume, mas apenas aguarda o amante fantasma d

D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal: "A Igreja transformou-se mais em empresa do que em testemunho"

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Já lá vão sete anos desde a última entrevista de D. Manuel Martins, Bispo Emérito de Setúbal, ao Solidariedade , mas parece que foi ontem. Para esta conversa, marcou encontro exactamente no mesmo sítio, na casa onde mora, junto ao estabelecimento prisional de Custóias, recebeu-me com a mesma simpatia e, valha a verdade, não se nota que por ele tenha passado tanto tempo. - Já vim à porta várias vezes a ver se o via. É que eu levanto-me muito cedo, já dei o meu passeio de bicicleta e contava consigo mais cedo, conforme tinha avisado. Esfarrapei uma desculpa enquanto fazia contas de cabeça. Devia ter-se levantado por volta das cinco ou seis da manhã. Pratica a mesma jovialidade, usa da mesma forma a boa disposição e a simpatia e não dá descanso à lucidez inteligente com que conduz todas as conversas. O escritório quase estava igual. Mais desarrumado, talvez. Na parede do fundo o mesmo retrato pintado no período em que lhe chamavam bispo vermelho, num tempo em que os governantes tin

Tea for 3

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Quando, por volta das seis e meia uma voz pediu desculpa pelo atraso, de 30 minutos, do concerto de Dave Douglas no campo de ténis de Serralves, incluído na 20ª edição de Jazz no Parque, e explicou que tinha ocorrido um percalço, preparei-me imediatamente para ouvir a notícia do cancelamento. Era bom demais, foi o que pensei, porque a organização prometia, no mesmo concerto, Dave Douglas, Uri Cane e o lendário Enrico Rava. Afinal, ao susto sucedeu-se o anúncio do início do espectáculo dos "Tea for 3". E lá estavam todos. Seis músicos da primeira linha do jazz: Dave Douglas, Avishai Cohen e Enrico Rava, de trompetes debaixo do braço; Uri Cane com ar de deslocado, a deslizar para o banco em frente ao piano; Clarence Penn, com as baquetas da bateria em riste; e Linda Oh, uma linda australiana, nascida na Malásia, que havia de deixar o público delirante com a arte de tocar contrabaixo. De uma vez, tinha a uns metros de distância alguns dos nomes que aparecem em muitas das capas d

À deriva...

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Assomam nuvens negras ao azul do mar profundamente traiçoeiro. Anuncia-se há tempo demais a tempestade como uma inevitabilidade trágica. O naufrágio é o sortilégio. Inocente, na palma da água, a fragilidade navega desfraldada, sem porto de abrigo no horizonte. A coragem é virtual: assenta só no acaso, na necessidade, no desconhecimento e na inconsciência. Não há escolha nem objectivo. Há apenas vontade de ficar à tona, com planos de navegação à vista para chegar o mais longe possível. Sem pontos de referência, os círculos são rotas prováveis. Retardar a morte é também uma forma de vida.

Rua do Barredo

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Quanta vida se esconde numa das ruas mais escondidas do Porto! Que fascínio tem esta cidade que desencanta os superficiais e se oferece aos aventureiros. O Porto é um baú entreaberto. Há os que espreitam lá para dentro e nada vêem; há os que abrem a tampa e voltam a fechar enjoados com o pó e o cheiro a mofo; há os que entram no baú... A rua é do Barredo. Chega-se lá decifrando um labirinto de esquinas de casas, por penumbras e escadas a partir do Cubo da Ribeira. E de repente, ali está um pedaço de alma da cidade velha. Um rapaz tenta vencer o jogo à bola com a própria sombra. Um gato pincela de negro-preguiça o cenário em brasa. A rua abençoada pelo Senhor da Boa Fortuna nem repara sequer que o santo escapuliu do nicho. Deve ter ido refrescar-se no rio ali tão perto...

A ponte dos desejos

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Tudo o que mais queria estava a acontecer. O meu desejo era que o agora fosse sempre. Afinal, estava ali a prova da possibilidade. Sei hoje que devia ter pedido a eternidade quando a luz do flash iniciou o caminho para o universo estrelado que cobria a cidade. Procuro agora nas fotografias a essência das almas fundidas. Amplio os olhares, as carícias, os abraços e os beijos que a velha ponte protegeu para que não que caissem ao rio. A essência está lá. Prisioneira do tempo e do espaço à espera que os amantes acreditem na sua evidência. Há um ano esqueci-me de desejar que o agora fosse sempre. Hoje só quero que o agora seja nunca. Que falta me faz a ponte dos desejos. E a luz do teu olhar.

Uma parte de mim morreu há dez anos

"(...) quando perdemos alguém que nos conhece bem perdemos uma versão de nós próprios. Nós próprios, tal como éramos vistos e julgados. Amante ou inimigo, mãe ou amigo, aqueles que nos conhecem constroem-nos e os seus conhecimentos talham as diferentes facetas dos nossos caracteres como se fossem ferramentas para lapidar diamantes. Cada uma destas perdas é um passo mais para a sepultura, onde são engolidas todas as nossas versões." Esta passagem do livro " O chão que ela pisa", de Salman Rushdie, faz-me sempre lembrar o meu pai. Morreu faz este mês dez anos. Há uma versão de mim que desapareceu com a morte dele. E era uma versão francamente admirável. Hoje precisava, mais do que nunca, que ele tivesse continuado a ser o que sempre foi para mim. Eu precisava que ele continuasse a ser.

Amor profundo

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Perdido. Sem ti estou perdido. Perdido à tua procura. Quero fugir desta vida deambulante onde cada coisa me fala de ti, cada gesto me lembra de ti, cada imagem se parece contigo, cada som provoca um eco resposta da tua voz, em que até os aromas te materializam. Estou doído desta virtualidade em que nada faço sem considerar as tuas reacções intuídas, as tuas expressões características, os teus desejos mais intensos, as tuas reticências mais sábias... Não sei viver como se estivesses comigo. É penoso não sentir qualquer prazer a não ser na medida em que o pressentimento e a partilha do teu prazer é que lhe daria sentido. Perdido. Sem ti estou perdido. À tua procura. Vou embora. Vou apanhar o comboio com destino ao Porto, para depressa chegar ao mar e seguir para o mundo. Vou procurar-te longe e deixar um rasto deste amor sem fim em todos os sítios onde um dia também hás-de passar. Até eles já me levam a ti. Pertenço-te. Amo-te Joana. Muito. Profundamente. Muito profundamente.

Cabo Ledo - Angola

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Cabo Ledo fica a cerca de 120 quilómetros a sul de Luanda. Reduzindo a tempo, está a quatro horas de viagem se o trânsito na periferia da capital angolana só estiver caótico e não parado. No meio do nada há um restaurante e uma pequena amostra do paraíso. Uma surrealidade. A árvore nasce no rebentamento das ondas e o cão não é um bibelot. Angola não existe, mas surpreende.

Olhos nos olhos

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O olhar dos angolanos é como a alma dos puros. Deixa ver para dentro. E há nele uma fé angustiada no futuro. Uma força magnética que atrai e repele. Uma energia incómoda com aparência de acusação. Um medo cósmico que sustenta a vida. Uma calma tensa que aguenta quase tudo. Angola está a meio caminho. Entre a implosão e a explosão. Entre a guerra e a democracia. Entre a riqueza de uns poucos e a indigência do resto. Entre o ser e o querer. O olhar dos angolanos é a melhor definição do país. Há nele a esperança e pânico. Angola não existe. É como a alma dos puros.