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A mostrar mensagens de dezembro, 2007

O PAI NATAL

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A noite estava particularmente fria. O vento entranhava nos ossos um desconsolo gelado. Na rua, os néons tingiam o empedrado de azul eléctrico a enfeitar penosamente o Natal. Por baixo de uma das molduras artificiais um pai natal acabava de desistir de vender pipocas. O homem aproximou-se da carripana, que também devia servir de casa ambulante, e despiu as vestes vermelhas e o gorro que lhe davam um ar de mentiroso e oportunista. - Que pena, agora é que se lembrou de tirar a pele de pai natal. - Está a fotografar para algum jornal? Há bocado esteve aqui um senhor de uma revista a pedir-me para fazer umas fotografias, neste cenário. Não me custa nada. Mas está a tirar uns retratos para si, não é? - É, deixe lá. Eu tiro na mesma não se preocupe. Faça de conta de eu não estou aqui. - Isso é que era bom. Só cá está você e eu... - É só montar o tripé... - Não usa flash? O outro senhor usava... Olhe, eu vou ali ao carro e visto-me outra vez... - Não, não faça isso! - Está bem assim? E assim?

Do avesso

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Arraiolos, Fevereiro de 2007 Basta uma bátega inesperada para diluir as cores fortes das casas alentejanas e espalhá-las pelo chão. O azulão escorrido das fachadas é, agora, a tonalidade forte do céu. Há pintores invisíveis a desenharem emoções com os dedos da natureza. Bastam uns dias de ausência para sentir o mundo virado do avesso.

SILHUETAS

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O Roteiro Para a Inclusão, há cerca de um ano atrás, levou Cavaco Silva e a comitiva até Marco de Canaveses para declarar um combate cerrado às causas e efeitos da violência doméstica e maus-tratos infantis. Uma mulher, discreta, chegou cedo e ficou o mais próximo que pôde do epicentro da cerimónia. Devia estar em chamas por dentro, mas do olhar azul, vivo, saía uma calma de quem queria tudo ver de muito perto, com os próprios olhos. Tinha um feminino corpo robusto que os mais de cinquenta anos não conseguiram desfear. Encostada à linha de segurança que a separava dos “importantes”, viu e ouviu tudo em religioso silêncio. Viu e ouviu o Presidente da República dizer que se curvava perante as 29 silhuetas de mulheres e 3 silhuetas de crianças assassinadas por mães, pais, irmãos, maridos, namorados, companheiros… Os artistas transformaram as estatísticas oficiais de 2005 das vítimas mortais de violência doméstica numa instalação com silhuetas de cartão. No peito das silhuetas, num anúncio