MOSTEIRO DE SANTA MARIA SCALA COELI, ÉVORA Silêncio e clausura em nome de Deus



O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli, mais conhecido por Convento da Cartuxa é um mosteiro situado junto às Portas da Lagoa, na cidade de Évora. Em Portugal, foi o primeiro da Ordem dos Cartuxos (ou de São Bruno), fundado em 1587 pelo Arcebispo de Évora, D. Teotónio de Bragança, sendo dedicado à Virgem Maria, sob a denominação “Scala Coeli” – “Escada do Céu”.
O edifício tem uma fachada renascentista em mármore cuja autoria é atribuída aos arquitectos Felipe Terzi e Giovanni Vicenzo Casali. No interior do templo, é impressionante o cadeiral monástico e o retábulo de talha dourada do altar-mor. O claustro, com quase cem metros, é o maior de Portugal.
Em 1834, os monges cartuxos foram obrigados a abandonar o mosteiro, devido à extinção das ordens religiosas em Portugal. O mosteiro passou para a tutela do Estado que o aproveitou para Escola Agrícola, a igreja chegou a ser um celeiro. Em 1871 a família Eugénio de Almeida comprou as ruínas.
A igreja foi declarada monumento nacional em 1910. Em meados do século XX, o convento foi restaurado por iniciativa de Vasco Maria Eugénio de Almeida, Conde de Villalva, criador da fundação com o mesmo nome. Depois de o recuperar devolveu-o à Ordem de São Bruno. Sete foram os fundadores em 1587 e sete os restauradores em 1960. O Mosteiro de Santa Maria Scala Coeli ou Cartuxa de Évora, propriedade da Fundação Eugénio de Almeida, é ainda hoje um local de oração e contemplação, única presença dos Monges Cartuxos em Portugal.
A Ordem Cartusiana foi fundada por São Bruno (Colónia, c. 1035 – Squillace, Calábria, 1101) e os monges vivem exclusivamente em silêncio, totalmente dedicados à oração e à contemplação.
Hoje em dia continua a ser assim. É certo que são só uma meia dúzia de "velhos cartuxos", como lhes chama padre Antão Lopez, prior da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli. "Eu conheci pessoalmente o Conde Villalva que herdou as ruínas, reedificou-as e devolveu o mosteiro à Ordem. Eu estava presente, aqui, há 54 anos quando ele anunciou a criação de uma Fundação de Beneficiência de direito estatal para que não fosse possível voltar a retirar o mosteiro à Ordem. Curiosamente, em 1975, não tiraram as terras ao mosteiro, mas tiraram-lhe as terras a ele."
Antão Lopez tinha 30 anos quando chegou a Évora para recuperar a tradição Cartuxa no Santa Maria Scala Coeli. Pediram-lhe que relançasse em Portugal as sementes da vida monástica fundada por São Bruno há quase mil anos. Foram sete os monges do recomeço, número simbólico que repetia o nascimento do culto no mosteiro em 1587. Neste meio século de vida em clausura talvez este seja o momento mais crítico... "Nós fomos vinte há uns tempos, uma dúzia quase sempre e agora somos sete."
A procura diminuiu apesar dos leigos terem a porta aberta para esta vocação do silêncio, da clausura e da contemplação. As comunidades são sempre pequenas e a seleção é rigorosa. Pode ler-se no site da Ordem (www.chartreux.org/pt) que continua a ser grande o atrativo que a Cartuxa exerce em Portugal. "Muitos os que se interessam por esta vida, mas a Ordem prefere manter a pureza dos seus costumes eremíticos e contemplativos, seleccionando bem os candidatos. É sempre possível e aconselhável uma visita, uma experiência, e Deus escolhe então os seus. Todavia, o bom Deus não lhes pede qualidades especiais para o canto, nem forças ou esperteza para o trabalho, nem habilitações para os estudos: apenas quer fé e amor, generosidade e desprendimento, e algo de que os cartuxos falam muito: simplicidade, no sentido de saber reduzir-se ao essencial, que é Deus, e renunciar a tanta coisa supérflua que a sociedade julga indispensável mas de que o solitário nem se lembra."
Neste momento, explica o padre Antão Lopez, há dois candidatos portugueses a esta vida de renúncia e dedicação exclusiva a Deus. "Há dois portugueses em Espanha. Os que nos procuram aqui nós enviamos para Valência. Isto funciona como porta de entrada, como presença da ordem em Portugal. Fazemos o atendimento, mas depois é preciso uma formação maior. O prior de Valência é português. Formam-se lá e depois que voltem eles ou outros é indiferente. A naturalidade para nós não tem importância. Aqui somos quatro espanhóis e três portugueses. Este mosteiro em Évora funciona como apresentação da Ordem em Portugal."
A Ordem dos Cartuxos também acolhe leigos. Não é preciso uma formação eclesiática prévia para optar pela vida monástica de isolamento do mundo. "Aqui também entram leigos. Temos aqui um irmão que era marceneiro, fazia talha dourada. Fazia imagens religiosas. Foi estudar em Santander, perto de França. Tem uma grande formação, tem feito obras de arte para a Cartuxa. Ele não é sacerdote, não precisa, santifica-se profissionalmente. Há outros que são médicos, alfaiates... entram na Ordem e trabalham naturalmente sem serem padres."
Na porta de acesso ao Convento de Santa Maria Scala Coeli a palavra "clausura" escrita numa placa metálica, pendurada na porta de ferro trabalhado, ao lado de três antigas fechaduras metálicas, não deixam espaço para dúvidas. A partir dali a vida tem outro sentido. "Nós costumámos dizer que não somos melhores ou piores, mas somos diferentes de todos os outros mosteiros. Há beneditinos aqui em Portugal, em Singeverga, há cistercienses... A norma geral é que os monges se isolam do mundo, do movimento, para viverem com Deus, num mosteiro, mas dentro do mosteiro vivem ordinariamente com os outros monges. Comem juntos, estudam juntos, fazem a vida juntos. A vida cartusiana é um passo mais. Nós, dentro do mosteiro, vivemos cada um sozinho com Deus."
Os monges de Évora só distinguem as festas e os dias normais de trabalho. Durante a semana os seis dias são passados na cela com saídas para as refeições e para as orações. "E aos domingos temos este claustro, com três salas de reunião, comemos juntos e temos nestas salas reuniões a que chamamos o governo da comunidade. É onde se recebem os noviços, que fazem os votos, a vida monástica séria. Noutra sala rezamos o terço em comum e as capelinhas servem para dizer missas. Este claustro mais bonito e mais digno é onde a nossa vida é comunitária. Mas, durante a semana, temos o resto do mosteiro onde cada um passa com Deus a vida sozinho. É por isso que somos tão diferentes e tão poucos. É uma vida muito diferente de uma vida normal."
Os Cartuxos não ensinam, não fazem trabalho apostólico, não participam na comunidade exterior. Explicam que "oferecem ao Senhor, em favor de todos os homens, uma vida de sacrifício e oração, renúncia e amor, austeridade e recolhimento, silêncio e solidão, trabalho e liturgia, pobreza e obediência, castidade e estabilidade, ascetismo e misticismo: uma existência, enfim, de fidelidade ao Evangelho e de entrega total a Deus." Na Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli são sete os monges que se dedicam a esta vida de clausura. Dois têm mais de 90 anos, outros três mais de 80 e os restantes dois estão na casa dos 50. É uma vida cartusiana reduzida ao mínimo que dificulta as poucas situações de cariz comunitário: "Nós cantamos à meia noite, continuamos a cantar. Somos 2 ou 3 em cada coro e é pouco. Mas mesmo assim.... Nós cantamos e pensamos que Deus fica contente."
Para o padre Antão Lopez, prior da Cartuxa de Santa Maria Scala Coeli, a pergunta mil vezes repetida tem uma resposta com minúsculos laivos de irritabilidade. Porquê uma existência em clausura? "O que é mais difícil: ser aviador ou marinheiro? É a vocação. Para mim seria difícil andar em missão em África. Ser missionário, convencendo as pessoas a serem baptizadas. E aqui nunca tive dificuldade, vivendo todo o dia em silêncio, lendo e falando com Deus. Se meter aqui um missionário ele rebenta. Cada um tem a sua vocação. Há muitos anos eu renunciei a três coisas de que gostava muito: a família, o desporto e a fotografia... Não sinto falta do mundo."
O padre Antão Lopez acompanha-nos à porta, lembrando que está na hora da recolha obrigatória. As visitas que o mundo faz ao mosteiro também cansam...
 

 





















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