LAND AFRICA


A cena fez-me lembrar o filme África Minha que Sydney Pollack realizou em 1985. Até pelo nome do ultraleve: Land Africa. É verdade que o piloto não tinha nenhum traço físico a lembrar Robert Redford, que no filme fazia o papel de um misterioso caçador, Denys Finch Hatton, que armadilhou o coração da baronesa dinamarquesa Karen von Blixen-Finecke, representada por Meryl Streep, uma mulher corajosa que dirige uma plantação de café no Quénia. O cenário natural também era muito diferente: a praia de Muranzel na Torreira, Murtosa.
Todavia, talvez armado em Robert Redford, o piloto do ultraleve começou a fazer voos cada vez mais rasantes às ondas desmaiadas na areia. As poucas pessoas que aproveitavam o fim de tarde de Setembro inquietaram-se. Alguém deu voz aos pensamentos: “Vai cair!” Quando a pequena máquina voadora deslizou e se imobilizou na pista de areia molhada todos correram para acudir a alguma necessidade.
Com alguma dificuldade o aventureiro saiu da cabine, mas a cara de satisfação era a melhor resposta às inquietações dos socorristas de ocasião. “Problemas? Não. Estava a escolher a melhor parte da praia para aterrar em segurança. Vou tomar um banho.”
O pequeno grupo, ainda arfante, dividiu-se entre a risada sonante, pela estranheza da situação, e a curiosidade por aquela figura improvável que parecia ter saído de um livro de banda desenhada. Com ar de comandante, barba e cabelo grisalho e um ligeiro coxear provocado pela bota de tacão reforçado que compensava a diferença de comprimento de uma das pernas, o piloto começou a despir o fato enquanto respondia à chuva de perguntas.
O sol despedia-se preguiçoso. De toalha ao ombro o comandante fez-se ao mar. De súbito parou, voltou-se para os socorristas curiosos, e fez um aviso: “Desculpem, eu costumo ir ao banho despido, espero que não se importem…” Sem dar tempo a quaisquer reacções negativas removeu os calções e, então sim, avançou coxeando à conquista da liberdade nas águas da Torreira. A determinação e a nudez do herói de banda desenhada não incomodaram ninguém. Bem pelo contrário, contagiaram um dos frequentadores habituais da praia: “Amigo, se vai nu ao banho, não vai sozinho… Eu também vou!”
Apenas o sol parecia corado de vergonha, cada vez mais ruborizado, a esconder-se atrás da linha do horizonte.

Comentários

Anónimo disse…
fabuloso. O pior é se a moda pega...não de tomar banho nu, mas de aterrar na praia!
Paula disse…
e dizes tu que só na minha terra para acontecer destas coisas... vê-se mesmo que não sabes que a praia é famosa precisamente pela frequência de pessoas literalmente "despidas" de preconceitos.

beijinhos... e aparece lá mais vezes
Anónimo disse…
Land Africa... pilotei um de Espinho a Aveiro e volta. Muito versátil, faz de tudo. O piloto em questão, descola da porta do hangar e aterra em qualquer cantinho. Saudades...
Anónimo disse…
Caro JPM
Esse é o mesmo Land Africa que terás pilotado e o mesmo piloto...
Não reconheces a matricula e o traseiro do piloto?
Ludo disse…
Força pilotaço, amigo e homem livre de prconceitos, como todo homem que verdadeiramente inteligente acima do comum dos mortais.

do amigo

UNO
Anónimo disse…
Ao grande piloto e amigo, homem inteligente e livre de preconceitos, como todos os que amam o saber, desejo-te muitos momentos como estes, livres e naturais. Cumprimentos,

UNO
alberto abreu disse…
Isto é ser livre de preconceitos coisa que sempre te caracterizou e te torna tão especial. Um abraço A.A.

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