Púcaros de Poesia
Não faço ideia porque se chama assim ainda para mais sendo um bar onde, às quartas-feiras, a poesia anda à solta pelo meio dos sentidos, sentimentos, corpos e copos...
É isso!!! Púcaros são os recipientes usados pelos estranhos seres que frequentam o bar, nesse dia, para tirar sorvos poéticos do poço da literatura. Eles são bruxas, elfos, vampiros, gnomos, ninfas, unicórnios, querubins, anjos, lobisomens e outros que tais, disfarçados de gente comum.
Eles devem ter obrigado o Carlos a chamar-lhe assim para que lhes sejam servidas as poções mágicas do pote da sangria. O Carlos é o dono do Púcaros. Um rezingão divertido que surpreende os incautos com cumprimentos brejeiros, alusões eróticas e palavrões com sotaque da Ribeira. “Onde me sento, Carlos?”, pergunto. “Alapa-te p’ra aí onde os colhões te deixarem”, responde de chofre e sublinha: "É bom sinal… é porque os tens!”. Uma capa de taberneiro com a qual esconde uma sensibilidade de leitor devotado aos poetas clientes. O Carlos é o guardião do clube dos poetas. Tem o poder de tocar a sineta com que manda calar toda a gente para que as arcadas fiquem prenhes de texto poético. Lido, declamado, interpretado, gritado, sofrido, definhado, exalado, exaurido, vomitado, disparado…o modo é o que menos interessa.
Não…a mim não me enganam. Aqueles seres não existem. Estão possuídos pelo espírito livre da poesia e transformam-se, às quartas, mal toca a sineta. São, de certeza, empregados de escritório, juízes, advogados, médicos, fiscais das finanças, técnicos, empresários, vendedores…
O Púcaros é, também ele, um mutante. Ora se enfeita de antiguidades e velharias; ora se veste de exposições de pintura; ora se metamorfoseia em palco de teatro, ou em pista de dança do ventre ou de salão.
Tenho lá ido ultimamente. Observo como se estivesse num jardim zoológico em que me foi permitido entrar na jaula dos humanos. Dei por mim a zurrar poesia como se fosse um deles. E, uma destas noites, quando cheguei a casa olhei para o espelho e não me vi. Metade de mim tinha desaparecido…
Comentários
A metade que insistentemente se agarra ao espelho lá de casa, ou, qual vampiro; desaperece do reflexo para ser o resto de um anseio qualquer...!?
Ass:
Maldoror
Obrigado.
E por todo o lado salpicam gotículas de poesia num haiku que me revela.
Diz-se por aí que, numa dessas quartas feiras, os dois seres incompletos que se passeam pelos dias se encontraram, como duas metades. A descoberta foi assombrosa, e a magia nunca mais foi a mesma.
Parabéns pelo texto! A tua outra metade está connosco bem guardada!