Tea for 3

Quando, por volta das seis e meia uma voz pediu desculpa pelo atraso, de 30 minutos, do concerto de Dave Douglas no campo de ténis de Serralves, incluído na 20ª edição de Jazz no Parque, e explicou que tinha ocorrido um percalço, preparei-me imediatamente para ouvir a notícia do cancelamento. Era bom demais, foi o que pensei, porque a organização prometia, no mesmo concerto, Dave Douglas, Uri Cane e o lendário Enrico Rava. Afinal, ao susto sucedeu-se o anúncio do início do espectáculo dos "Tea for 3".




























E lá estavam todos. Seis músicos da primeira linha do jazz: Dave Douglas, Avishai Cohen e Enrico Rava, de trompetes debaixo do braço; Uri Cane com ar de deslocado, a deslizar para o banco em frente ao piano; Clarence Penn, com as baquetas da bateria em riste; e Linda Oh, uma linda australiana, nascida na Malásia, que havia de deixar o público delirante com a arte de tocar contrabaixo. De uma vez, tinha a uns metros de distância alguns dos nomes que aparecem em muitas das capas dos meus cd's de Jazz.

O chefe da orquestra foi Dave Douglas, trompetista norte-americano, que em pouco tempo, transformou as minhas reticências em pontos de exclamação. A tal voz que chegou a assustar-me, no início, havia explicado que o voo que trouxera os músicos do concerto da noite anterior tinha-se atrasado e eles precisaram de recuperar o fôlego. É verdade que se notava o cansaço físico, sobretudo nas curvas que os 72 anos de idade faziam nas costas de Enrico Rava e, mais evidentemente, nas rugas expressivas dos cantos dos olhos e da boca do italiano. Mas o som só ganhou com essa fadiga que também pertence ao jazz e transforma os temas em obras únicas e especiais. E ganhou a dinâmica de um grupo que se reverenciava e sabia ouvir. Ouviam-se com um prazer iniciático.
O tema do concerto foi uma espécie de "around the tea for two", com muito humor, amor, criatividade, classe e improviso à mistura. A música brotava do parque como algo natural, escorrendo das árvores mais distintas do jazz mundial. Um concerto inesquecível.

Meia hora antes do início do concerto a lotação estava esgotada. As cadeiras espalhadas no campo de ténis não foram suficientes. Meia hora depois, uma mulher ainda estava anestesiada pela magia que tinha acontecido naquele espaço encantador. Tal como há-de dizer, orgulhosa: eu estive lá!

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