Deixa-me...

Deixa-me que te fale desta morte por dentro.
Deste perecer lento e doloroso que nenhum consolo é capaz de suavizar. Como se fosse uma podridão viva que invade o sistema vital e o transforma numa rede de esgotos.
Desse lugar da esperança onde agora vinga um sentimento purulento, triste e destrutivo que esvazia tudo de sentido.
Deixa-me que te descreva este deserto que soterra memórias encharcadas em dor e sofrimento longo.
Sabes que algo te morre quando nada renasce nesse lugar. E pior que tudo: Sentes que fenece em ti mas está a germinar algures.
Deixa-me que te mostre a presença obsessiva desta ausência, deste vazio, desta incerteza.
É a morte como doença prolongada. Vence-te a vontade, verga-te a razão, tortura-te a memória, domina-te a imaginação, esvai-te a energia, faz-te fantasma.
Morres lentamente a desejar o grande esquecimento e só tens a dor eterna de uma parte amputada que desapareceu mas ainda existe.
Imploras uma morte súbita sem a maldição da imortalidade das recordações de todas as vidas que te deu.
Deixa-me que te diga que é assim que se morre de amor. Intensamente devagar.
E és forçado a ir ao teu próprio funeral. Todos os dias.
Deixa-me que te fale...
Deixa-me...

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