Chick Corea e Jacinta


Hot Five. Sexta-feira, 19 de Janeiro de 2007. Meia-noite. Jacinta já tinha aquecido a voz com alguns dos temas que a fazem refulgir com uma nova estrela do panorama do jazz. Na sala pequena algumas mesas da frente ainda só estavam ocupadas por um importante dístico onde se lia a invejável palavra: reservada. No canto, na mesa por baixo das escadas de ferro, perto do piano, uma jovem entusiasta fingia orgasmos encomiásticos à diva, que quase conseguia tocar: “És grande. Very big, Jacinta. Adoro-te.” Não é de excluir a hipótese da jovem usar o elogio para camuflar a bebedeira expressiva do gasto companheiro que não se coibia de acompanhar Jacinta em gargarejos vocálico-guturais.
- Miles Davis ensinou-me que os silêncios e as pausas também são música…
Se pretendia refrear a participação espontânea daquele casal atípico Jacinta falhou. Mais tarde, o casal havia de sair por entre declarações esgrouviadas de amor à cantora: “És grande, amo-te…” E lá foram apanhar a noite para outro lado.
Na pausa entre duas músicas, Jacinta olhou para as cadeiras vazias envergonhadas por baixo das mesas com o aviso de reserva, recostou-se no banco e por entre goles de água, falou em vez de cantar:
- E eu a pensar que vinha aqui para salvar o Hot Five… Já não me lembro de cantar numa sala tão pequena para tão pouco público. Não sei o que se passou… Porque não vieram… talvez a promoção…
Nos goles de água notava-se o naufrágio do riso meio forçado. Alguém, na pobre plateia, retorquiu que ela era uma grande artista, aquele era um grande público e que estava a ser uma grande noite.
- A grande artista está aqui. E as pessoas onde estão? Não vieram. E eu que vim cá para salvar o Hot Five…
Para que não haja dúvidas, Jacinta cantou como uma deusa. Mas falou como uma pobre, humana, criatura. Mais valia estar calada. Como fazia Miles Davis, que sabia que as pausas e os silêncios também são música…
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