Jorge Sousa Braga – O Poeta Nu

Conheci o médico, obstetra, Jorge Sousa Braga há uns anos num contacto profissional. Tratava-se de um trabalho jornalístico sobre prematuros. Nasceu daí uma reportagem e uma relação, a que dou o nome de amizade, que tem sido alimentada por encontros fortuitos e fugazes.
Um dia Jorge Sousa Braga, com a humilde simpatia que emana, em vez de criticar directamente os critérios jornalísticos televisivos, desafiou-me com um outro tema para reportagem: uma história de amor entre duas árvores, Gingko Biloba, plantadas no Porto há muitos anos, separadas pela distância e pelas construções urbanísticas. Sensível a desafios, aceitei a sugestão com um pedido de ajuda. Para além dos conhecimentos botânicos Jorge Sousa Braga escreveu um texto lindíssimo e indicou-me um especialista que foi um mestre das cerimónias nupciais falhadas entre as duas ginkgoláceas. O Gingko Biloba macho vivia, e ainda vive, nos jardins do Palácio de Cristal a fêmea no Jardim das Virtudes. Um muro de betão armado impede a fertilização. E todos os anos os óvulos não fecundados jazem infelizes aos pés da mãe adiada. A peça televisiva teve um sucesso impensável e efémero. No dia seguinte passou ao cemitério da memória.
Noutra ocasião, Jorge Sousa Braga ofereceu-me um livro pequeno: “Ferida Aberta”. E disse-me, com a tal humildade sorridente, “leia, quando puder, e depois diga-me o que acha”. Quando lhe telefonei a dizer que achava que o livro tinha apenas o defeito de ser pequeno, que abria o apetite para mais, eu não sabia quem era o poeta Jorge Sousa Braga. E senti-me envergonhado, tempos depois, quando descobri a sua obra. E senti-me minúsculo perante a refulgência da luz que os poemas irradiam. E senti-me ingrato pela distracção dos livros publicados. E senti-me ignorante pelo comentário que fiz. E senti-me um caixote de lixo onde foi depositado um tesouro.
Ganhei um poeta e mantive um amigo. E agora, chego a invejar a sua poesia essencial, ilusoriamente fácil, de rigor e silêncios orientais; a declaração provocatória de amor à pátria que vai do Porto de Eugénio de Andrade ao Portugal de Camões e Pessoa; a crueza sensual e erótica na geometria das frases; o perfume e a cor das palavras; o desenho dos afectos; o elogio da superioridade dos momentos insignificantes; a ironia e a irreverência necessárias.
Jorge Sousa Braga ofereceu-me a última reedição de “ O Poeta Nu”, da Assírio & Alvim. E na tal humildade estimulante, enquanto escrevia, exagerado, “ para o Victor Pinto, habitante da mesma nebulosa” na página em branco, no meio de uma baforada de um cigarro apressado deixou escapar um murmúrio: “É uma compilação de todos os poemas, mas no final há um livrinho novo…”
Mal pude, no recato da sua ausência, abri o livro pelo fim e quase de imediato soltou-se um perfume a frutos impossíveis de Ginkgo Biloba. O poema lá está para eternizar uma história de amor contrariada que pode durar mil anos.
(ver post abaixo)

Comentários

Anónimo disse…
O "Porto de Abrigo" é mais um dos aconchegos que Jorge Sousa Braga me proporciona.

Espalha pó de estrelas pelo universo e os seus poemas habitam no planeta onírico de muitos de nós.

Fiquei com muita vontade de conhecer esta história de amor contrariada através das palavras do poeta e desenhada pelo olhar do jornalista.
Anónimo disse…
Também eu gostaría de conhecer Jorge Sousa Braga e as árvores de que ele te falou, talvez um dia o possamos fazer todos juntos, mas se isso não acontecer, p.f. não deixes de escrever.

Cristina

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