COISAS DO ARCO DA NOVA

Apesar de todas as mudanças de casa e de vida há coisas que levamos sempre connosco sem darmos conta. Aqui há dias encontrei uma caixa cheia de cassetes perdida num velho armário. Descobri alguns tesouros com quinze anos. Entrevistas e programas feitos para a Rádio Nova, do Porto, 98.9 FM. Seis dessas cassetes estavam referenciadas: “Coisas do Arco da Nova”, numa letra perfeita escrita à mão pelo inconfundível Zé Gabriel. Com a ajuda do Paulo Moura, outro mago do audiovisual, recuperei para suporte digital algumas das relíquias dessa arqueologia radialista. E nessa noite revivi anos de companhia leal e trabalho profícuo que me ensinou muito do que hoje julgo saber. O Zé Gabriel era um ourives do som. Usava a tesoura para rendilhar a fita magnética. Construía peças radiofónicas, tecendo a voz com elementos sonoros, pontos musicais e silêncios mercê de uma sensibilidade de feiticeiro que deve ter assimilado na Rádio Nacional de Angola, onde trabalhou muitos anos. Tinha um aspecto e uns modos desagradáveis que desmotivavam quem apreciava avaliações superficiais. O Zé gostava do tempo de descoberta. Mas valia bem o investimento. Amigo para sempre, resolvia os problemas do dia-a-dia de frente, sem subterfúgios ou cálculos sociais. O que lhe valia uma separação clara entre os que gostavam dele e os outros. Mas todos, sem excepção, lhe reconheciam a genialidade na filigrana sonora e a dedicação ao trabalho, características evidentes em programas como “O Sexo dos Anjos”, com Júlio Machado Vaz e Aurélio Gomes, “Ritmos d’África” e o “Coisas do Arco da Nova”, entre muitos outros, realizados ao serviço da Rádio Nova, do Porto. “O Coisas do Arco da Nova” era um programa semanal feito com os desperdícios da produção diária da informação. Em tudo o que tocava o Zé Gabriel deixava uma marca. Trabalhei com ele e sinto saudades. O Zé Gabriel morreu no dia 6 de Setembro de 2002. Tinha apenas 54 anos.

Comentários

Unknown disse…
Emocionaste-me com este chamamento ao passado, Victor. Àquele passado que nos faz Gente, como o passado que nos deu Homens como o Zé Gabriel.
A quem na Nova não deixou ele marcas?
Um abraço. Luís Miguel Loureiro
pitangamadura disse…
Obrigada Victor, por não teres esquecido... O Zé Gabriel deixava uma marca, sim!! Sabes, mandei fazer uma lápide que diz: " As lágrimas secam, as flores murcham, só a saudade é eterna"... É bom ver que não sou só eu que tenho saudades... A vida continua, e a minha também está a continuar (tal como ele queria!), mas as saudades desse homem tão especial que foi meu serão eternas!!!
Enquanto tu, eu, e outros se lembrarem do nosso Zé Gabriel, ele continuará, de certa forma. a viver!!
Obrigada por não esqueceres!!!
Beijito amigo e grande, MT
Anónimo disse…
Saudosista como sou, sinto-me como peixe na água na minha profissão, pois trabalho sempre com algo que já foi presente.
Foi portanto maravilhoso para mim teres-me dado a ouvir de novo (naquela noite em minha casa) o que nos bons tempos da rádio nova eu já sintonizava ainda sem conhecer pessoalmente esse ser absolutamente fantástico que foi o Zé Gabriel com quem vim a trabalhar posteriormente na RTP em programas como "a história de um século contada por Fernando Vale", ele era efectivamente um ourives do som.
Eu, que não sou o mago do audiovisual como tu o afirmas, aprendi muito com homens que AMARAM a sua ARTE tais como o Zé Gabriel.
Obrigado Victor por me abanares a memória desta feliz maneira, há efectivamente pessoas LINDAS que levamos sempre connosco sem por vezes nos darmos conta disso.
Parabéns AMIGO pelo teu blog.

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