O meu pai

O meu pai morreu, exactamente, há sete anos. Só tinha 64 anos e muito por viver…
Tive com o meu pai uma relação de três décadas e meia marcada por períodos de solavancos afectivos. Em pequeno adorava senti-lo chegar a casa ao cabo de uns dias de ausência; apreciava a segurança discreta que dava à família; gostava do ambiente de conforto emocional com sabia que encher o lar.
Após a conclusão da escola primária predominou entre nós uma ausência física, a saudade e a mágoa que se aprofundou durante cinco anos. Na adolescência medrou a revolta militante que cultivei até ao insuportável. Quando me transformei num adulto a relação evoluiu para uma troca intuitiva de sentimentais silêncios. Nunca lhe disse que gostava dele e tantas vezes mostrei-lhe o contrário. E nunca lhe disse que sabia que ele gostava de mim.
O meu pai era um homem especial. Não por ser meu pai, mas por ser um homem bom.
Desiludi-o uma data de vezes. Demais. A revolta da minha adolescência fez-lhe a vida negra. Era o meu patrocinador financeiro e não tinha nenhuma participação nas minhas duvidosas decisões. Sempre disposto a ajudar, sem censura, sempre disponível a apostar em mim, mesmo sem provas. Ele acreditava mais em mim do que eu. Sempre que lhe disse agora é a sério confie em mim, ele confiava. Só o vi chorar uma vez: na cerimónia da minha tardia formatura em Comunicação Social não conseguiu esconder a emoção porque assistia à evidência de que eu, afinal, tinha valido a pena.
Acompanhei a luta injusta que travou - e perdeu - com o cancro implacável. E, mais uma vez, portei-me como se fosse um coordenador - de saúde, da família –, fugindo de ser, simplesmente, um filho. Não esquecerei nunca o olhar do meu pai quando o visitava no hospital. O olhar desesperado de um náufrago a esticar a mão para o único salvador. O meu pai olhava-me como se eu, mais do que todos os médicos do hospital, do mundo, pudesse salvá-lo. E senti-me ingrato. No único momento em que o meu pai precisou de mim eu não consegui ajudá-lo.

Comentários

Anónimo disse…
Tenho a certeza que ajudas-te muito o teu pai apenas com a tua presença, e também tenho a certeza que ele sabia do teu amor por ele. A minha filha mais velha, aqui ao meu lado, chora ao ler o teu artigo...

Cristina
Bjs
Anónimo disse…
Apesar de mostrar ao meu pai que gosto dele, também passei, tal como tu, uma fase rebelde, e só agora estou a terminar o mestrado aos 26 anos.
Tal como o teu pai, também o meu deposita muita confiança em mim, e espera um dia que lhe ajude nos negócios. Infelizmente, ainda não livrei-me do curso, e sinto que o estou a desiludir.
Tal como tu, também idolatro o meu pai, acho-o muito especial, e espero puder ajuda-lo em tudo que precisar no futuro.
Perde-lo irá ser para mim, tal como foi para ti, um dos dias mais tristes da minha vida, pois irei pensar em todos os momentos que o desiludi e talvez esquecer aqueles em que o fiz sorrir, que acredito que os também tenhas dado.
Neste momento, ele está no céu a olhar por ti, e a sentir muito orgulho na tua pessoa, e principalmente por te recordares dele com amor e admiração.

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